Dia desses uma amiga me apresentou a um grupo de pessoas assim “essa é a Marília, a mulher mais livre que eu conheço”. E não parou: “ela é tão livre, que liberta outras mulheres só sendo ela mesma”. Fiquei lisonjeada, confesso, mas mais assustada talvez e isso nunca mais saiu da minha cabeça.
Fiquei pensando o que é liberdade.
Uma vez postei essa foto no Instagram e ela foi removida por ferir os termos (mostra uns pixels de milimetros do mamilo – direito). Nem foi a primeira vez, a Daniela Magalhães vive passando por isso (inclusive já foi removida foto minha também). O irônico é que lá no meu mesmo feed tem uma foto de um homem completamente nu sentado numa cadeira, todo sujo de caqui (era uma intervenção artística num museu no RJ…ah, o RJ, risos) e essa nunca foi denunciada ou removida. Tá lá.
Ontem, lendo um livro que peguei do lixo do vizinho (me julguem, mas julguem mais quem joga livro fora) tinha um diálogo logo no segundo capitulo que me fez refletir mais. Era assim:
-Marco Polo, o mundo que você vive é um teatro. As pessoas frequentemente representam. Elas observam o tempo todo, esperando comportamentos previsíveis. Observam seus gestos, suas roupas, suas palavras. A liberdade é uma utopia. A espontaneidade morreu.
(Antes, a pessoa que deu essa resposta havia perguntado se Marco Polo era livre e com a resposta positiva dele, questionou se ele sofria pelo futuro, ou seja, se se atormentava pelas coisas que ainda não aconteceram, se tinha necessidades que não são necessárias e se ele sofria quando alguém o criticava, o que obviamente o fez constatar que pensava que era livre, mas não era).
Bom, assim como o menino do livro, também constatei que não sou livre (mas adoro uma livraria): só acho que não tenho comportamentos previsíveis na maioria do tempo como a sociedade espera e ó, ela espera muitos deles, principalmente das mulheres (nem falo das mulheres mães por hora), e tá, talvez todo dia eu coloque um balãozinho de oxigênio na menina espontaneidade,por quem eu prezo e defendo com todas as minhas forças. (Ó, no dia ou lugar que não puder ser espontânea ou não puder acolher a espontaneidade do outro por medo do julgamento/observação de alguém ou todos, aí sim é o fim pra mim).
Mas só.
Em tempos de redes sociais e nossas vidas editadas, com filtros, stories e likes e shares, realidade e espontaneidade são artigos raros mesmo, mas liberdade é outra coisa.
Liberdade é poder decidir quando é hora de se envolver numa relação (já repararam que, salvo raras exceções, é o homem que decide quando é que uma começa?)?, poder demonstrar afeto sem medo de parecer desespero, é dar piti e nunca ouvir “cê tá de tpm né?’, é nunca ser chamado de louco seja porque motivo for (mesmo se for loucura de fato, aliás, quem não é? não é mesmo?!), é sair na rua com a roupa que quiser sem ser julgado por isso, é andar pelo mundo sem medo (“vá de bike”), é não acordar todos os dias com medo de ser estuprado e virar mais um numero na estatística, saber que pode morrer, ser jogado pro cachorro comer e seu assassino ainda virar herói nacional. Liberdade é ser pai de fim de semana (ou pai de selfie), ser chefe sem ter que provar todo dia sua competência, sem ter que ouvir que “deu pra alguém” pra chegar ali, sem ter que desviar dos assédios diários que comprovam que realmente, “dar pra alguém” faz você chegar ‘lá’ mais facilmente, aliás, ser livre é poder conjugar o verbo “dar” sem ser sexualizado. É poder falar de “amor livre”, porque liberdade é sua pátria de nascença (enquanto nós mulheres, temos que diariamente tentar se livrar da cultura do aprincesamento a que fomos submetidas desde o nascimento). Ser livre é ser homem.
Ninguém diz “fulano é um homem livre, o ‘homem mais livre que conheço” porque liberdade apesar de substantivo feminino é estado de espirito masculino e dizer “homem livre” seria pleonasmo. (E aqui prezamos pela coerência e coesão textual).
Sobre mulheres: diz –se livre aquela que tenta ao menos sair do padrão previsível do que é aceitável (ou não), mas só essa mulher sabe o peso que esse título carrega (eu que o diga).
“Mas é isso, te vejo livre, não domino. Me vejo livre (já sei que é ilusão), ops, não pertenço”.
E se outra vida houver, quero vir versão mamilo de homem.
(É isso né, espontaneidade é postar textão reflexão em legenda de foto de perfil – sem camisa. Liberdade seria nem que ter problematizar sobre isso.)
Foto do Henri Dos Anjos, a quem agradeço o olhar e claro e já que cheguei nos agradecimentos, agradeço também ao Governo de Brasília, pela péssima mobilidade urbana do DF que me permitiu ler quase um livro todo enquanto esperava o ônibus na parada.
No mais, tenham paciência: retorno de Saturno terminando por aqui.#quase30
(Texto originalmente escrito em Abril de 2017, no Facebook.)